Cenário atual é bem mais favorável do que o de crises dos anos 90 |
Toda vez que o dólar sobe, nos lembramos das vezes que o país quebrou.
Não tínhamos dólares para pagar nossas dívidas, necessitávamos de importações e não existia saída além de decretar moratória ou nos ajoelhar diante do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Sempre que isso acontecia, o FMI passava a ditar a política econômica em nossas terras.
O FMI é um organismo internacional que empresta recursos aos países em dificuldade financeira e que é dirigido por representantes dos países desenvolvidos. Podemos, por isso, imaginar quais interesses esse organismo representa, não é mesmo?
Esse é o quadro hoje? Não, não é. Vamos ver o porquê.
O modo mais claro de conseguirmos entender a atual situação brasileira é compará-la com o que ocorreu em 1999, primeiro ano do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando o real sofreu uma desvalorização de 70%.
A seguir, vamos analisar nossas reservas cambiais e nossa dívida externa nesses dois momentos para concluir se estamos em um período de maior ou menor gravidade.
Reservas cambiais
Reservas cambiais são os dólares, ouro e outras moedas que usamos para comprar produtos que necessitamos do exterior e para pagar nossas dívidas com outros países.
Em abril de 1998, já era claro que a taxa de câmbio não se sustentaria, que era necessário desvalorizar o real, mas havia uma eleição presidencial no caminho [a reeleição de FHC].
O país tinha quase 75 bilhões de dólares em reservas. O regime era de câmbio fixo, o que significa que o Banco Central (BC) era obrigado a vender dólares a uma taxa fixa. Mesmo que a demanda por dólares aumentasse, o BC mantinha a mesma taxa de câmbio. Dessa data até janeiro de 1999, o BC vendeu quase 40 bilhões de dólares a preços entre 1,15 e 1,21 reais por dólar.
Em janeiro de 1999, o dólar foi de 1,21 a 2 reais e as reservas caíram para 36 bilhões de dólares.
Em outras palavras, o felizes compradores ganharam perto de 80 centavos de real sobre cada dólar dos 40 bilhões vendidos. Fernando Henrique Cardoso foi reeleito e o país teve de recorrer, novamente, ao FMI para cumprir suas obrigações com os credores internacionais.
Ao ficar impossibilitado de continuar importando e pagando nossas dívidas, o receituário do FMI sempre implicava recessão econômica: menos rendas para todos, menos empregos, mais pobreza. Foi o que se seguiu à desvalorização de 1999 e à crise cambial.
Hoje, 2015, o regime é de câmbio flutuante, o que quer dizer que o BC não tem nenhuma obrigação de vender dólares ao preço que for.
No regime de câmbio flutuante a moeda estrangeira varia mais, porém as reservas cambiais do país estão protegidas.
Nossas reservas cambiais chegam, hoje, a 370 bilhões de dólares.
O que nos dá uma segurança muito grande de que não corremos os mesmos riscos de 1999.
Devemos considerar que o BC oferece, há algum tempo, proteção às empresas endividadas em dólares, usando um instrumento chamado swap cambial.
O swap é uma modalidade de contrato que paga à empresa contratante um valor se o dólar subir e cobra dele se o dólar cair. É o instrumento ideal para a empresa que deve em dólares. Os swaps não afetam as reservas porque são pagos em reais e, mesmo que o dólar suba, não há perda de reservas pelo país. Além disso, o BC vendeu menos swaps (108 bi de dólares em julho) do que tem de reservas (370 bi de dólares).
Dívida externa
A dívida externa líquida era de 182 bilhões de dólares em 1999; hoje, segundo trimestre de 2015, é de menos 47 bilhões de dólares.
Menos? É isso mesmo.
Hoje, nós temos mais reservas cambiais do que devemos aos credores internacionais. Nós que, tradicionalmente, éramos devedores do resto do mundo, hoje somos credores.
Vamos fazer uma conta aproximada? Se subtrairmos das reservas o total dos swaps e o total da dívida pública externa, o governo ainda tem um saldo de 120 bi de dólares.
O que significa que a cada 10 centavos de desvalorização do real, o governo ganha 12 bi de reais.
A desvalorização melhora as contas do governo. Assim como a inflação, mas esse é outro assunto.
O dólar abaixo de 2 reais é muito pior.
É preciso lembrar que vários países, a China é o exemplo mais contundente, fazem o possível para manter sua moeda desvalorizada.
A razão é que quando a moeda é mais desvalorizada o produto do país fica mais barato no exterior, e, portanto, mais competitivo. Os EUA, que após 2008 inundou o mundo de dólares, fez sua moeda se desvalorizar e passou a fazer superávits comerciais, exportar mais do que importar.
Suponha que uma indústria brasileira precise vender o carro que produz a 20 mil reais. Suas principais despesas são em reais: salários, impostos, compras no mercado nacional e assim por diante. Se o dólar está cotado a 2 reais, o carro precisa ser vendido ao exterior por 10 mil dólares, certo?
Mas, e se o dólar for a 4 reais? Os custos de produção do carro quase não mudam, pois as maiores despesas continuam em reais. Mesmo assim, vamos supor que a empresa precise agora vender o carro por 24 mil reais. Isso significa 6 mil dólares. Ficamos muito mais competitivos só com a desvalorização.
Quando a cotação do dólar estava abaixo de 2 reais, e ficou muito tempo assim, toda a indústria reclamava que era impossível competir, especialmente com o produto chinês. Lembram-se?
Os dados acumulados, entre janeiro e agosto desse ano, revelam que exportamos 9% a mais em peso do que 2014. E recebemos 17% a menos em dólares.
Exportamos mais e recebemos menos. Como assim?
Bem, o preço internacional das nossas exportações caiu muito pela tibieza da economia mundial.
Mas, de todo modo, o Brasil, com a desvalorização, já virou a balança comercial para o azul: voltamos a exportar mais do que importar. E a recuperação da economia brasileira pode vir do comércio exterior.
Conclusão
Percebemos, desse modo, que as desvalorizações do real que tivemos em 1999 e temos agora são de naturezas bastante diferentes.
A de hoje encontra o país com muito mais reservas e menor dívida. Com uma posição mais segura do lado cambial será possível sair dessa crise com menos custos sociais, poderemos voltar a crescer mais brevemente e sem a ingerência de organismos internacionais.
*César Locatelli é economista e colaborador dos Jornalistas Livres. Texto extraído de lá.
Postado aqui por @waasantista
Publicado também em www.brasilobserver.co.uk/macuco
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