Problemas, de todas as ordens, não é "coisa nossa" |
Se tem uma expressão que não me desce, e essa tal de “só no Brasil”.
O sujeito assiste a uma notícia no telejornal, presencia uma cena bizarra na rua, depara-se com alguma dificuldade burocrática, enfim, de alguma forma está em contato com algum problema, e crava:
– “Só no Brasil”.
Como se o país fosse uma ilha de desastres, vícios, mal feitos; e o redor do mundo – não todo o mundo, só o “primeiro” mundo (Europa, Estados Unidos, Japão) – fosse, esse sim, o exemplo irretocável de sociedade, o paraíso.
Não que aqui, ao sul da linha do Equador, não tenhamos problemas, e mais graves que os do hemisfério norte do globo. Mas também temos muitas soluções e maravilhas que os de lá não alcançam, e nos estimam por isso.
Dia desses alguém tuitou: “90% desses ‘só no Brasil’ acontecem em 90% dos outros países também”.
De uns tempos para cá já vinha colecionando exemplos de “só no Brasil” só que não.
Fiz um breve apanhado. Reparem nas aberrações:
- Escândalo de compra de votos! “Só no Brasil”? Não, na Itália, em Bari: http://migre.me/rEFeh
- E este absurdo: briga de torcidas rivais, fora do campo, incluindo confronto com as forças de segurança. “Só no Brasil”? Não, na Itália também, em Roma, em dia de Lázio x Roma: http://migre.me/rEFf5
- E esta onde de assalto, tá um horror: arrastão em ponto turístico! “Só no Brasil”? Não, não foi em Copacabana nem Ipanema, foi na Torre Eiffel, em Paris. “Na França?!” Oui, na França: http://migre.me/rEFfy
- Os estádios que viraram elefantes brancos depois da Copa. Ah, isso sim, “só no Brasil”. Tsc, tsc, nos Estados Unidos: http://migre.me/rEFg5
- Sem-teto dormindo nas ruas. “Só no Brasil”? Não, em Londres: http://migre.me/rEFgw
- Cidade grande tomada por lixo, periferia abandonada… São Paulo? Rio? Salvador? BH? Qual nada, Nova Iorque: http://migre.me/rEFi1
- Crime em frente às câmeras de televisão, ao vivo. “Só no Brasil”, fruto da impunidade. Epa, é nos Estados Unidos: http://migre.me/rEFit
Um dia qualquer de chuva e frio desses, zapeando na televisão, caí num programa da Fox, chamado “Undercover Boss”.
É idêntico a um quadro recém-lançado pelo Fantástico, em que um executivo de alto escalão de uma empresa se disfarça e trabalha semanas junto com os operários.
O episódio a que assisti na Fox se passava no Canadá: a diretora-geral da autarquia de transporte urbano de Toronto (a TTC – Toronto Transit Commision) vivenciou experiências dos funcionários dos mais diferentes setores.
A TTC, estatal, opera os serviços de ônibus, metrô e bondes.
As história relatadas pelos funcionários fariam os mais apressados a lascarem o clássico “só no Brasil”.
A condutora do metrô, por exemplo, queixava-se da má educação de passageiros.
Gente que brigava com ela porque o serviço atrasava.
Sim, nos conta a trabalhadora, no Canadá o metrô atrasa, e há canadenses que descontam a raiva na maquinista.
A faxineira da estação estava indignada com a porquice: papel no chão a toda hora, e até urina pelos cantos. Não, não era na Central do Brasil, era em Toronto.
Nas oficinas, um senhor que cuidava de reparar os assentos dos ônibus reclamava do vandalismo – todos os dias, os veículos retornavam à garagem com um bocado de estofados rasgados.
Tão vendo?
Até uns dez, 15 anos atrás, quando a gente não contava com a internet servindo como janela para o mundo, e então a comparação com outros cantos era mais difícil, compreensível ignorar que o resto do planeta tem tantos problemas como este Brasilzão.
Até porque, gerações e gerações foram formadas numa cultura de supervalorização do que é de fora, em detrimento das qualidades que temos aqui.
Vimos – vemos – na tv mais as árvores do Central Park do que qualquer outra atração brasileira.
Agora não. Só pesquisar um pouquinho, aproveitar as fartas fontes de informações disponíveis na rede, que a gente derruba um monte de mitos e deixa de cair nesse discurso dos tempos de colônia.
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