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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O recado dos venezuelanos, de próprio punho

Cidadãos produzem faixa em defesa de um novo mandato para Chávez (fotos: WAA)
De Caracas, Venezuela

Pessoal, pelo que acompanhei nas redes sociais, o noticiário da midiona brasileira sobre a situação política na Venezuela foi daquele jeito que a gente esperava: uma deturpação descarada dos fatos.

O adiamento da cerimônia de juramento da Constituição, por parte do presidente do Hugo Chávez, não se trata de nenhuma imposição unilateral do governo, tampouco um descumprimento das regras constitucionais.

Muito pelo contrário.

A Constituição da República Bolivariana da Venezuela estabelece que o novo mandato do presidente se inicia em 10 de janeiro. O artigo 231 diz que, nesta data, o presidente ou presidenta toma posse e faz o juramento da Carta Magna, perante a Assembleia Nacional (deputados). O mesmo artigo ressalva, por outro lado, que esta data pode não ser cumprida por motivos "sobrevenidos". Nessas situações, o juramento se dá perante o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), em momento a ser designado por esse TSJ.

Não sei qual a palavra em português que traduza o termo "sobrevenido", mas ele se refere a motivos de força maior, motivos alheios à vontade de quem vai assumir o cargo. Por exemplo: se acontesse um terremoto no país, ou uma tempestade que inviabilizasse a realização da cerimônia. Ou um acidente - um incêndio, por exemplo. Ou um problema de saúde, como é o caso.

Em frente à Assembleia, a mensagem da cidadã
A partir dessa prerrogativa constitucional, o governo chavista cumpriu todos os passos legais e democráticos. O Executivo, interinamente ocupado pelo vice-presidente Nicolás Maduro, mandou na terça, dia 8, comunicado ao Legislativo (Assembleia Nacional) para que apreciasse o pedido de postergação do juramento - afinal, Chávez segue em tratamento em Cuba e, por este motivo "sobrevenido", não poderia estar fisicamente na Assembleia em 10 de janeiro.

Após o debate que é inerente ao Legislativo - e acompanhado nas ruas do Centro de Caracas por muitos cidadãos, cena rara no Brasil -, a Assembleia entendeu que sim, trata-se de um motivo "sobrevenido" e, como prevê a Constituição venezuelana, a postergação foi autorizada e o juramento será feito diante do TSJ, quando este definir.

O Executivo, isto é, o governo chavista hoje liderado por Nicolás Maduro consultou formalmente também o Poder Judiciário (o TSJ propriamente dito), nesta quarta, dia 9. O TSJ também considerou que o adiamento do juramento é constitucional e, sendo assim, Chávez poderá fazê-lo em outro momento, tão logo se recupere, possa voltar a Venezuela e seja designado para tanto pelo Judiciário.

Tanto quanto a sustentação formal-legalista da postergação, o que dá legitimidade ao adiamento é o apoio popular para que este novo período de mandato constitucional, que começa agora dia 10, continue sendo exercido por Chávez.

O verbo conjugado "continue" aqui utilizado é para evidenciar outra característica dessa situação, observada tanto pelo Legislativo como pelo Judiciário. Não se trata da posse de um novo presidente, mas sim da continuidade de um governo cujo chefe de Estado foi releito recentemente, em 7 de outubro. A vontade popular - e a Constituição da Venezuela estabelece o desejo do povo como soberando - é a de que Chávez siga no comando do Executivo.

Enfim, gente, desconfie bastante do enfoque que a Globo e outos veículos dão aos acontecimentos aqui em terras venezuelanas.

Na tenda, cidadãos assistem à transmissão da sessão do TSJ
Para esta quarta, dia 10, é esperada uma grande manifestação em frente ao Palácio Miraflores. Nestes últimios dias, a mobilização tem sido intensa. O pessoal fica ligado no noticiário em praça pública, se manifesta, discursa. Constrói, de próprio punho, as formas de expressar sua vontade.

Claro que a gente encontra venezuelanos que não votaram em Chávez. Até agora, porém, não me apareceu nenhum que tenha algum argumento que não outro que disfarce resistência à chegada das classes menos favorecidas ao poder. Um outro argumento que não seja, no fundo, fruto de preconceito. Já ouvir gente criticar o programa "Viviendas" - o qual inclui a desapropriação de imóveis abandonados para a construção de moradias - porque traz "delinquentes das favelas para o Centro, desvalorizando a região".

Os mais equilibrados, por outro lado, até chegam a revelar que reconhecem avanços. Uma jornalista que não chega a ser antichavista, mas não compartilha das ideologias da Revolução Bolivariana, enalteceu o "Bairro Adentro", que leva equipes de saúde da família, formadas por profissionais cubanos, às comunidades.

Nem entre os opositores, ao menos entre os mais sensatos e não golpistas, não se nota dúvidas quanto à constitucionalidade da postergação do juramento.

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