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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A verdade omitida na entrega dos aeroportos

Capital privado fica com filé mignon. Poder público, com o osso (foto: WAA)
De Curitiba

Publico a seguir artigo do jornalista Carlos Lopes, do Hora do Povo, em que revela fatos e dados omitidos pelo governo, pela oposição de direita, pela mídia comercial e seus “economistas”, “analistas” e “especialistas” sobre mais uma entrega do patrimônio público brasileiro, a “concessão” dos aeroportos. Nesta sexta, dia 22, houve o leilão de mais dois deles - Galeão e Confins. Outros três já foram entregues à "iniciativa privada": Guarulhos, Viracopos e Brasília.

Notem que só são “concedidos” ao capital privado os aeroportos filé mignon. As centenas de bases aéreas que poderiam ser reformadas, ampliadas para que se leve avião para os rincões do país, onerosas, estas ficam com a gente.

É assim mesmo essa tal de parceria público-privada: o público entra pela privada.

Vamos ao artigo. Ele é extenso, mas didático, e vale ler pra entender que quem manda no país é o poder econômico. A Odebrecht e a CCR, duas das maiores empreiteiras do mundo e que já operam pedágios nas rodovias, ficaram, respectivamente, com Galeão e Confins.

Governo fará obras e reformas para 
açambarcadores do Galeão e Confins
Aeroportos serão privatizados, já ampliados, com as obras já feitas, e entregues depois da Copa

No dia 22, quando esta edição chegar às bancas, o governo estará privatizando os aeroportos do Galeão, no Rio, e de Confins, em Minas, com a exigência de que o novo “operador aeroportuário” seja uma empresa estrangeira – pois não há empresa brasileira, exceto a Infraero, que se enquadre nas especificações do edital do leilão (v. ANAC, Edital do leilão nº 01/2013 - Concessão para ampliação, manutenção e exploração dos Aeroportos Internacionais do Rio de Janeiro/Galeão – Tancredo Neves/Confins, item 4.45, página 33).

Se o leitor tiver alguma dúvida de que se trata de uma privatização, para dirimi-la bastará uma consulta ao Decreto nº 7.896, de 1º de fevereiro de 2013, assinado pela presidente Dilma: “Art. 1º Ficam incluídos no Programa Nacional de Desestatização - PND, para os fins da Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro/Galeão - Antonio Carlos Jobim (...) e o Aeroporto Internacional Tancredo Neves” (cf. DOU – Seção 1, nº 24, p. 4, 04/02/2013).

A lei nº 9.491/97 é a lei da privatização de Fernando Henrique.

Mas, até como privatização, esse leilão do segundo e quinto maiores aeroportos do país é sui generis: todas as obras para quase triplicar a capacidade do Galeão (de 17,4 milhões de passageiros/ano para 47,2 milhões de passageiros/ano) serão feitas pelo poder público, através da Infraero, antes e mesmo depois do leilão. O mesmo vale para Confins (cf. ANAC, Anexo 3 do Contrato de Concessão - Obras do poder público, p. 2).

Essa ampliação é mais que o dobro do que é esperado para o ano que vem (20,2 milhões de passageiros no Galeão). A “concessionária” não gastará um centavo e levará anos sem precisar realizar obras que não sejam cosméticas. Tudo correrá por conta do Estado para que os açambarcadores recebam os aeroportos já ampliados, com as obras já feitas, em outubro de 2014, depois da Copa.

Resumidamente, correrá por conta exclusivamente do Estado, entre outras as seguintes obras:
  • No Galeão - a reforma do Terminal 1 e do Terminal 2;  a implantação de radares de superfície nas pistas; a revitalização dos transformadores; a instalação de geradores; a reforma das demais instalações elétricas; a recuperação e revitalização dos sistemas de pistas e pátios; a restauração das condições operacionais do pavimento da pista de pouso e decolagem - e  até a reforma dos sanitários.
  • Em Confins – as obras de reforma e ampliação da pista de pouso e do sistema de pátios; a obra de reforma, modernização e ampliação do Terminal 1; a ampliação do Terminal de Aviação Geral (TAG); o estacionamento de veículos; a ampliação e recuperação do sistema de pátios do Terminal 1, do TAG, do Terminal de Carga e do Terminal 3, com a adequação do sistema viário - e até a aquisição de mobiliário para os Terminais.
Para que o leitor tenha uma ideia, todos os anunciados investimentos em 25 anos de concessão (R$ 5,7 bilhões) significariam, se verdadeiros, R$ 228 milhões por ano – com 70% financiados pelo BNDES a juros inferiores à inflação (3% a.a.).

Porém, somente nas obras de ampliação, até setembro do ano que vem, o poder público gastará R$ 376,23 milhões no Galeão (e mais ainda em Confins: R$ 497,21 milhões).

Em troca de não investir nada antes das calendas gregas, os “concessionários” terão obrigações do tipo: “Sempre que a análise demonstrar excesso de demanda em relação à capacidade do aeroporto no período subsequente de 5 (cinco) anos, a Concessionária deverá apresentar uma previsão de investimentos necessários” (cf. ANAC, Contrato - Anexo 02 - Plano de Exploração Aeroportuária Galeão e Confins, 9.12.4, p. 18 e 19, grifo nosso).

Cinco anos??? Pois é, leitor. Se antes não houver um levante nos aeroportos, serão cinco anos seguidos de aperreio (“excesso de demanda em relação à capacidade do aeroporto”), até que a “concessionária” seja obrigada a apresentar uma “previsão” dos  investimentos necessários – e sabe-se lá quando esses investimentos serão realizados... As obras que essas “concessionárias” serão obrigadas a fazer beiram o ridículo (cf. ANAC, Contrato - Anexo 02 - Plano de Exploração Aeroportuária Galeão e Confins, p. 15 e 16).

Propalou-se – deve ter sido o Moreira Franco, agora dedicado às atividades aéreas – que, com a privatização, seriam construídas novas pistas no Galeão e em Confins. Mas, somente quando “a demanda do sistema de pistas [no Galeão] atingir 215.100 movimentos anuais, a Concessionária deverá apresentar à ANAC o anteprojeto e o cronograma detalhado da construção de pelo menos uma pista de pouso e decolagem, com comprimento mínimo de 3.000 metros”, etc. (cf. idem, ponto 8.8.1, p. 16).

No caso do Galeão, não há data para acabar a construção dessa nova pista – o cronograma é determinado pela “concessionária”. No caso de Confins, a data limite é “até 31 de dezembro de 2020”, ou seja, daqui a sete anos.

Lembra-se o leitor do Mantega, da própria Dilma, e outras autoridades (além de várias mediocridades), garantindo que as “concessões” - isto é, a privatização - de aeroportos eram o único jeito de obter investimentos para modernizá-los e preparar o país para a Copa do Mundo?

Pois é.

Na campanha eleitoral, a presidente Dilma afirmou, ao visitar o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC: “tenham certeza de que nunca, jamais, me verão tomando decisões ou assumindo posições que signifiquem a entrega das riquezas nacionais a quem quer que seja”. E, em outubro de 2010, portanto, há quase exatos três anos, ao caracterizar o seu adversário e sua base, disse ela: “Essa é a principal diferença entre o nosso governo e a turma do contra: eles só pensam em vender o patrimônio público. Eu acredito que as empresas públicas desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do país”.

O mesmo ponto do edital que implicitamente obriga a presença de uma empresa estrangeira, para substituir a Infraero como “operador aeroportuário”, também estabelece condições que somente podem ser cumpridas pelas grandes operadoras estrangeiras. Por isso, as candidatas a “operador aeroportuário” do Galeão e Confins são as alemãs Fraport (Frankfurt) e Flughafen München (Munique); a suíça Flughafen Zurich (Zurique); a Ferrovial (Heathrow, Londres); a Schipol (Amsterdã); a ADC/HAS (Houston); a ADP (Paris) e a Changi (Singapura). Existe a possibilidade de mais de uma dessas empresas participarem do mesmo consórcio.

Qual a necessidade desse leilão? A necessidade desse leilão, para quem possui a Infraero, considerada internacionalmente a segunda melhor administradora de aeroportos do mundo, é nenhuma.

Até porque os recursos para a sua expansão e reforma, assim como a execução das obras, serão do poder público. Portanto, é a mesma necessidade de perder 40% do maior campo petrolífero do mundo para as multinacionais, quando se possui a Petrobrás: nenhuma, exceto a subserviência e o entreguismo.
CARLOS LOPES

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